As doenças cardiovasculares (DCV) – principalmente o infarto agudo do miocárdio (IAM) – representam a principal causa de mortalidade e incapacidade no mundo. Dados a respeito da incidência demonstram que aproximadamente a cada 40 segundos, um americano morre por DCV. A incidência anual de IAM é 525.000 casos novos e 210.000 casos recorrentes.
O termo IAM deve ser utilizado quando existe evidência de necrose miocárdica em um cenário clínico que seja consistente com a presença de isquemia miocárdica aguda.A origem fisiopatológica desta síndrome é a progressão, instabilidade ou ruptura de uma placa aterosclerótica coronariana com ou sem trombose luminal e vasoespasmo.
Na avaliação inicial de um paciente que se apresenta com suspeita de um IAM, as características da dor torácica e os achados no eletrocardiograma (ECG) permitem a estratificação inicial de risco. Uma história abreviada, um ECG e um exame físico devem ser obtidos dentro de 10 minutos após a chegada do paciente.
Pacientes com forte história clínica que se apresentam em até 12 horas após o início dos sintomase elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo (BRE) novo devem ser assumidos como IAM e devem ser submetidos à terapia de reperfusão imediata.
A Intervenção Coronária Percutânea (ICP) primária é a terapia preferida para reperfusão na maioria dos pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). Quando a ICP primária oportuna não está disponível, a fibrinólise precoce deve ser realizada. Idealmente, a ICP deve ser realizada dentro de 90 minutos a partir do momento do primeiro contato médico.
A maioria dos pacientes que recebem tratamento fibrinolítico são candidatos a ICP após o tratamento com a terapia fibrinolítica, denominada estratégia farmacoinvasiva. Todos os fibrinolíticos disponíveis, em comparação com placebo, reduzem a mortalidade no IAM com elevação do segmento ST. A magnitude da redução do risco de morte é geralmente entre 15 e 30%.
Não existem dados epidemiológicos atualizados acerca do IAMCSST em Salvador. Até 2009, segundo dados não publicados, eram muito baixos o uso de trombolíticos nas unidades públicas de emergência e o volume de angioplastia coronariana percutânea primária nos laboratórios de hemodinâmica do sistema público de saúde.A partir deste contexto, em julho de 2009, por iniciativa do SAMU metropolitano, uma rede regional integrada de atenção ao IAMCSST foi criada e posteriormente, no ano de 2011, iniciamos o registro. O registro soteropolitano de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (RESISST) envolveu unidades do sistema público de saúde, especializadas e não especializadas.Este foi o 1° registro brasileiro a incluir pacientes de pronto atendimentos e hospitais gerais, uma população pouco representada nos registros já existentes.Numa descrição sucinta, esta rede regional integrada de atenção ao IAMCSST atua conforme segue: paciente com dor torácica procura unidade de emergência da rede por livre demanda, pelo fluxograma todo paciente era encaminhado para sala de telemedicina para realizar ECG de forma padronizada, o centro de telemedicina envia cada ECG com laudo sugestivo de IAMCSST à equipe de busca ativa de plantão. Realiza-se a busca ativa da vítima contactando, por telefone, a unidade de saúde de origem. Caso confirmado o IAMCSST e apresentação com menos de 12 horas de sintomatologia (janela terapêutica), aciona-se o SAMU, através de sua central de regulação, na tentativa de promover a reperfusão primária por trombólise ou transferência imediata para centros de referência em cardiologia com laboratório de hemodinâmica para realização de angioplastia primária.
Todos os casos de IAMCSST foram acompanhados pelo RESISST, através do trabalho do grupo de pesquisa para registro e acompanhamento do IAMCSST em Salvador.
Foram estudados 520 pacientes com IAMCSST. A idade média geral foi de 62,0 ± 12,2 anos. A composição étnica da amostra foi compatível com a da cidade de Salvador, com 83,9% de não-brancos (pardos ou afrodescendentes). Quanto a comorbidades e fatores de risco, os pacientes que foram a óbito em 30 dias apresentaram maior prevalência de diabetes mellitus, IAM prévio e AVC prévio. Estes pacientes tiveram uma apresentação clínica de maior risco, verificada por maior média no escore prognóstico GRACE, bem como maior proporção de pacientes com classificação de Killip ≥ 2. Resultados positivos após a implementação da rede foram observados no desfecho óbito em 30 dias, ao longo do tempo, com redução da mortalidade no primeiro semestre de 2011 em comparação com o primeiro semestre de 2013.
O reconhecimento desta realidade de fatores passíveis de modificação é uma oportunidade para melhoria na assistência da rede de atendimento ao IAMCSST através do treinamento profissional, implementação de políticas públicas e constante aprimoramento do sistema atual. Questões identificadas como falta de informação da população acerca do reconhecimento dos sintomas do IAM; dificuldade de mobilidade urbana, devido às condições de transporte público e trânsito local; e ausência de treinamento multiprofissional podem ser enfrentadas com capacitação e logística.
Nosso estudo teve algumas limitações que merecem considerações. Nossos resultados não podem ser aplicados aos hospitais privados e instituições que tenham alta taxa de adesão às terapias baseadas em evidência. Entretanto, interpretando por outra ótica, o SUS é o sistema utilizado por 75% da população brasileira, sendo provável que o RESISST seja uma fotografia mais fiel da realidade nacional.
Os achados do presente estudo servem ao entendimento do perfil das vítimas de IAMCSST em Salvador (BA), e permitem planejamento na adoção de medidas que visem reduzir os intervalos de tempo, melhorar a terapêutica oferecida a esses pacientes assim como reduzir as taxas de mortalidade nessa população de alto risco. Nossos resultados contribuem, portanto, para a atual literatura desse campo de pesquisa e abre portas para novos estudos multicêntricos no Brasil e em outros países em desenvolvimento, cujos objetivos deverão incluir a identificação do perfil destes pacientes de forma mais abrangente, e a avaliação sistemática e padronizada de estratégias de tratamento para o aprimoramento na assistência nessas redes de atendimento ao IAMCSST.
Artigo publicado na Revista ABM nº 37