Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 50% das prescrições de antibióticos no mundo são inadequadas. No Brasil, onde 50%-70% das vendas em farmácias e drogarias processam-se livremente, o comércio de antibióticos movimentou, em 2009, R$ 1,6 bilhão, segundo relatório do IMS Health.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ainda que tardiamente, acaba de dar um grande passo no combate aos riscos inerentes à automedicação, ao oficializar as novas regras que regulamentam a prescrição médica e a venda de antibióticos em farmácias e drogarias de todo o Brasil, que passaram a vigorar em 28 de novembro de 2010. A Resolução estabelece os critérios para a embalagem, rotulagem, dispensação e controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição, isoladas ou em associação. Segundo a RDC nº 44/2010, os 93 antibióticos registrados na ANVISA e listados no anexo da Resolução, quando precritos para uso extra-hospitalar, devem ser vendidos mediante a apresentação da receita médica em duas vias. Enquanto a primeira fica obrigatoriamente retida no estabelecimento - a outra, devidamente carimbada pela farmácia, é devolvida ao paciente como comprovante do atendimento. Assim, todas as formas farmacêuticas que possuam tarja vermelha - incluindo antimicrobianos de uso dermatológico, ginecológico, oftálmico e otorrinolaringológico – somente podem ser comercializadas no Brasil sob prescrição médica, devendo obrigatoriamente ser escrituradas pelo estabelecimento no SNGPC – Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados. Quanto a esta escrituração, a ANVISA concede aos estabelecimentos um prazo de 180 dias (até 25 de abril de 2011). Entretanto, a prescrição médica de antibióticos em duas vias, bem como a retenção de uma delas no ato da dispensação, vigoram desde 28 de novembro de 2010. Embora as retenções e escriturações de receitas devam ser realizadas em todas as farmácias e drogarias, públicas ou privadas, somente os estabelecimentos privados ficam obrigados a realizar a escrituração no SNGPC. Para as demais, a escrituração passa a ser feita em Livro de Registro Específico para medicamentos antimicrobianos ou por meio de sistema informatizado previamente avaliado e aprovado pela Autoridade Sanitária competente.
A prescrição médica deve ser legível, sem rasuras, e conter todos os dados do medicamento, do paciente e do médico, compreendendo: o nome do medicamento ou da substância prescrita sob a forma de Denominação Comum Brasileira (DCB), dosagem ou concentração, forma farmacêutica, quantidade (em algarismos arábicos e por extenso) e posologia. Além disso, deve conter a identificação do emitente - nome do profissional com sua inscrição no Conselho Regional ou nome da instituição, endereço completo, telefone, assinatura e marcação gráfica (carimbo). O nome do usuário deve figurar de forma completa.
No ato da dispensação, é de responsabilidade do estabelecimento fazer o registro do comprador: nome completo, número do documento oficial de identificação, endereço completo e telefone (se houver). No verso da receita médica a ser escriturada pela farmácia ou drogaria deve-se registrar a data da emissão e proceder a identificação do registro de dispensação: anotação da data, quantidade aviada e número do lote. As receitas de antimicrobianos terão validade de 10 (dez) dias a contar da data de sua emissão.
Com a nova regulamentação, as embalagens e bulas dos medicamentos devem mudar e incluir a frase: “Venda sob prescrição médica - só pode ser vendido com retenção da receita”. Esta norma se aplica a todos os antibióticos, exceto aqueles de uso hospitalar exclusivo.
Embora, sob o ponto de vista técnico, estas medidas sejam louváveis e devam merecer os apleusos da comunidade médica brasileira, há de se considerar suas fragilidades político-sociais. Nosso sistema de saúde presta uma assistência indigna a 80% da população brasileira. A marcação de consultas ambulatoriais é um processo lento e enfadonho. Por desajustes operacionais, consultas previamente agendadas comumente não são efetivadas a despeito da longa espera. Antibióticos são medicações de alto custo e sua dispensação pelo SUS é restrita a um pequeno número de opções, muitas vezes não contempladas nas recomendações das Diretrizes nacionais e internacionais. Ações educativas dirigidas a médicos e estudantes da graduação, que tornem a prescrição de antibióticos um ato de responsabilidade, precisam ser sistematicamente implementadas.
Tememos, portanto, que a nova regulamentação da ANVISA - se dissociada de um programa efetivo de assistência médica ágil e qualificado; e de medidas que possam promover melhores condições reais de saúde e educação à nossa população – repita uma antiga resolução brasileira que dizia: “Antibióticos devem ser vendidos sob receita médica”.
Artigo publicado na Revista ABM nº 9