ANA TERESA R. DE ABREU SANTOS
ANA TERESA R. DE ABREU SANTOS
22/08/2012
11:46
Saúde mental e Síndrome de Burnout no interno de Medicina da Universidade Federal da Bahia

Na atualidade, temas como educação e saúde, relacionando-se com política, economia e justiça, se imbricam nas esferas nacionais e internacionais. A educação e a saúde estão regidas por ditames de políticas governamentais e institucionais, por recursos econômicos – que obedecem a processos hierárquicos mais amplos – e, preconizadas por um sistema de justiça que nem sempre é contemplado na sociedade.

Assim, com os novos olhares sobre estes dois setores, onde é priorizada a integralidade tanto do processo ensino-aprendizagem como da assistência em saúde, se aposta na educação em saúde, com um profícuo desempenho do trinômio aluno-professor-sociedade; esta última, representante maior de cada usuário do sistema, ou seja, o indivíduo como paciente. Entretanto, esta máxima ainda não foi alcançada em uma suficiência adequada condizente com o contexto social contemporâneo.

Ao questionar sobre como está a educação na área da saúde, encontra-se uma intensa preocupação e interesse neste tema, a partir do número de publicações existente atualmente em todo o mundo. O progresso das ciências, a multiplicidade de saberes e o acesso ilimitado às informações direcionam a demanda do social – neste mundo globalizado – a excelência da exigência.

Portanto, à mercê das malhas e rédeas culturais tecnicistas da saúde na modernidade, no eixo educacional comprometido, o professor de medicina e seu aluno, juntamente com o seu paciente, confrontam-se no âmbito profissional, acadêmico e assistencial, respectivamente. Ou seja, traduz-se a fragilidade do sistema educacional no adoecimento do sistema saúde, pois alguns professores insatisfeitos com sua dinâmica laboral transmitem para além das salas de aulas, modelos inadequados de formação e relação da díade professor-aluno, que reverberam, subsequentemente, na qualidade da apreensão do conhecimento e na afinidade do futuro profissional com o seu paciente, objetivo maior de sua escolha vocacional. Este último, por sua vez, na ilusão de que o tecnicismo lhe é suficiente, investe cada vez menos na relação com o seu médico e sente-se frustrado em suas solicitações e expectativas.

Esta gama complexa, como ‘efeito bumerangue’, reflete no bem-estar biopsicossocial dos protagonistas, ou seja, na saúde física, mental e inter-relacional dos mesmos, que por se originar na rede laboral e influenciar na qualidade das realidades profissionais e pré-profissionais, são estudadas sob o constructo do Burnout, que é discutido na área da saúde mental, medicina ocupacional e da psicologia organizacional. 

A literatura científica afirma que os estudantes de medicina e médicos, em comparação com a população geral e de outras profissões, são expostos ao estresse acadêmico e profissional sendo mais vulneráveis a problemas de saúde psicossocial e certas disfunções específicas que podem comprometê-los nas distintas instâncias física, mental e social. Este grupo constitui-se de risco para vários distúrbios de comportamento, crises e tentativa de suicídio, fato comprovado pelo número crescente de acadêmicos e médicos que optam pela interrupção de suas carreiras, e muitas vezes da própria vida, por causa de transtornos psíquicos e Síndrome de Burnout (SB). Situação bem próxima às investigações recentes sobre Sintomas Depressivos e SB, desenvolvidas em coautoria, na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e publicadas na Revista da Associação Médica Brasileira (Jan/Fev 2012) e em vias de publicação na Clincs, respectivamente.

A Síndrome de Burnout é definida como uma resposta aos estressores emocionais e interpessoais crônicos no ambiente de trabalho, inicialmente, se estendendo a espaços de atividades pré-profissionais, posteriormente, sendo descrito por Maslach, & Jackson, em 1981 e por Schaufeli, em 2002, respectivamente. Caracteriza-se por uma dimensão tri-fatorial, sendo identificada quando coexistem Exaustão Emocional alta, Descrença alta e Eficácia Profissional baixa, que se traduzem em debilitante exaustão, sentimentos de cinismo, distanciamento do trabalho, ineficácia e falta de realização, acometendo indivíduos que fazem algum tipo de serviço com pessoas (profissionais de saúde: enfermeiros, assistentes sociais, psiquiatras, psicólogos, médicos, profissionais da saúde mental; e de serviços ocupacionais: policiais, conselheiros, professores, advogados, funcionários da justiça, administradores de agências), afetando os níveis pessoal, social e profissional. Evidenciou-se, também, como já mencionado, sua manifestação em atividades dentro do contexto pré-ocupacional, estruturadas como de natureza coercitiva, voltadas para objetivos específicos, que numa perspectiva psicológica são semelhantes ao trabalho, como ocorre em discentes, em decorrência do esgotamento demandado pelo estudo, de apresentarem uma atitude cínica e distanciada para com o mesmo, e não sentirem-se realizados enquanto estudantes.

Diante deste panorama, questões foram levantadas fomentando a realização de uma pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (C. HUPES), abordando saúde mental e SB, como parte da Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sendo seus resultados preliminares publicados na Revista Medical Education, em outubro de 2011. Artigo este, que por sua vez, foi estimulado pela participação no FAIMER (Foundation for Advancement of International Medical Education and Research), especificamente pelos Prof°s. Eliana Amaral (UNICAMP) e Valdes Roberto Bollela (USP), contando com a colaboração dos coautores Prof°s. Drª. Suely Grosseman (Universidade Federal de Santa Catarina), Drª. Edméa F. de Oliva Costa (UFS) e Dr.Tarcísio M. de Andrade (UFBA).

Neste estudo objetivou-se identificar aspectos relacionados à saúde mental do interno de medicina da UFBA, além de documentar e estimar a prevalência da SB e os possíveis fatores associados nesta população, durante o ano de 2010. Foi justificado a partir de uma prática educacional de Preceptoria durante quinze anos, com internos de medicina no Setor de Assistência à Saúde Mental Infanto-Juvenil, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, da UFBA.

A partir do contato semanal com os alunos na Reunião Multi-Interdisciplinar do Internato Rotatório de Pediatria, no C. HUPES identificaram-se conflitos psicoemocionais referentes à didática aplicada e às inter-relações desenvolvidas durante o curso. Segundo eles, isto influencia em sua saúde mental, na qualidade das interações e das atividades realizadas, incitando a referida investigação.

Ressalta-se que, neste período, esta instituição federal – a primeira Faculdade de Medicina do país – encontrava-se em fase de transição para a aplicabilidade de um novo projeto pedagógico, consonante com as demandas das novas Diretrizes Curriculares Nacionais, ainda com um eixo humanístico em fase de consolidação e um espaço de apoio ao estudante em estágio embrionário.

Com uma equipe multidisciplinar, constituída de psiquiatra (Profª. Drª. Edméa Costa-Oliva), psicólogas (Andréa Bastos Orge, Ms. Camila Fontelles) e acadêmicos de medicina (Interna Katiene Araújo, Acad. Daniel Abreu Santos), foi realizado um estudo misto: Quantitativo de corte transversal (Questionário Específico e o Maslach Burnout Inventory/Student Survey); Qualitativo (com Observação Participante – OP e Grupos Focais – GFs). Dos 303 internos de medicina que passaram no Internato de Pediatria, no C. HUPES, em 2010, 236 participaram desta pesquisa. A prevalência da SB foi de 14%. Observou-se que 63,6% e 53,4% dos internos apresentaram alto escore nas subescalas Exaustão Emocional e Descrença, respectivamente, e 18,6% dos internos apresentaram baixo escore na subescala Eficácia Profissional.

Estes achados foram coincidentes com o conteúdo emergente dos GFs e OP, em que surgiram questões referentes: à formação médica (tais como, alta exigência do curso, difícil percurso da formação acadêmica, insegurança em relação às habilidades para exercer a medicina, dificuldades nas inter-relações, necessidade de postergar os projetos de vida pessoal); e ao sofrimento psicoemocional relacionado à saúde física e mental do interno. Entre o adoecimento físico, foram citados: sangramento intestinal, estomatite, gastrite, pirose, aumento e perda de peso, comportamento compulsivo frente ao alimento, hipersonia, insônia, queda de cabelo, dermatite seborréica de couro cabeludo, agudização de processo alérgico, de psoríase e acne, com manipulação compulsiva da pele. E, dentre as alterações da saúde mental e psicoemocional, ressaltaram: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Depressão, Transtorno Obsessivo Compulsivo, Síndrome do Pânico, Ansiedade, Tique Nervoso e Transtorno Mental Comum, mudança de comportamento, sentimentos de extenuação, angústia, injustiça, estresse e frustração.

Com o levantamento destes resultados, pretendeu-se assinalar algumas necessidades desta instituição e contribuir para subsidiar o desenvolvimento de programas que se fizerem necessários, como por exemplo, a implementação de um núcleo de apoio ao estudante de medicina. Meta, que a convite do Colegiado, juntamente com Profª. Dra. Eleonora Peixinho, Prof. Dr. Marco Rêgo, entre outros, está em vias de concretizar-se, estando em fase de desenvolvimento e implantação.

Além disso, espera-se que seja possível despertar e sensibilizar os gestores educacionais e demais profissionais da saúde, para a importância de se intensificar a promoção da qualidade/integralidade do processo ensino-aprendizagem e saúde dos atores nestes estabelecimentos, como também, seja propiciado o estímulo à prevenção de possíveis agravos ao bem-estar de todos envolvidos e intervenções precoces que se fizerem necessárias, demonstrando para as autoridades governamentais, que existe uma real perspectiva de que educação e saúde seja um bônus à sociedade.

Assim, acredita-se que com estas ações seja possível evitar prováveis adoecimentos no futuro profissional, sendo plausível que se atinja o objetivo maior deste ensino superior: formação do estudante de medicina hoje, médico amanhã, saudável e, consequentemente, capaz de exercer sua profissão, regido pelos pilares da ética, competência, habilidade e humanismo.  


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